sábado, 19 de janeiro de 2008

Capítulo 7

Apesar de não conhecer a animorfa muito bem, Sarah sabia que na maioria das vezes, ela nunca demonstrava expressão alguma. Podia até sorrir com freqüência e ser bastante atenciosa, mas quando se machucava ou enfrentava uma crise, Maya jamais perdia a calma. Era exatamente assim que estava agora, apesar do tom de voz áspero, a animorfa nem contraía o rosto. Ela caminhou pela barraca de treinamento enquanto Sarah e Urius a acompanhavam com o olhar. Maya caminhou até a Esbael e, quando colocou a mão em seu ombro exerceu certa pressão, forçando-a a sentar. Depois que todos se acomodaram, disse em tom sombrio:

- O vilarejo de Ar’mead foi atacado.

- Atacado?! – assustou-se Urius ficando de pé.

- Desculpem, mas sabem, sou um pouco desinformada sobre o que acontece por estas bandas então poderiam me explicar o que é este vilarejo?

- É o vilarejo mais importante para os rebeldes, é lá que vivem os mercadores – explicou o Curior ainda chocado enquanto caminhava em volta delas lentamente.

- Como tudo aquilo que esteja ligado aos Endirvis ou aos bruxos é destruído, os mercadores que viviam no vilarejo ajudavam com o abastecimento de armas e comida em segredo, mas de alguma forma Oberon descobriu – deixou que seu olhar se distanciasse. – Sem as armas não temos como lutar.

- Vocês não têm nenhum ferreiro que possa fabricar as armas? – indagou Sarah.

- Não temos, os Endirvis não são lá mestres na fabricação de armas. Mesmo que tivéssemos um precisaríamos de muito mais. Apenas um ferreiro não daria conta da quantidade de armas que um exército precisa – ela fez uma pausa enquanto cruzava as mãos.

- Pelos Deuses!Como aquele miserável descobriu que o vilarejo nos ajudava? – perguntou Urius, aflito.

- Quando saí de lá estavam torturando um mercador, não havia nada que eu pudesse fazer, estava sozinha. Com certeza tiveram a confirmação depois disso.

- Mesmo se não houvesse confirmação, como ele suspeitou? – indagou Sarah.

- Eu sinceramente não sei. Talvez alguém os tivesse delatado. Afinal, não há nada que uma boa ameaça não faça – voltou os olhos claros para a jovem. – As pessoas têm muito medo. Nossa situação piora a cada dia, as pessoas precisam de uma esperança, de um milagre.

- Enquanto aos Curiors? Eles não são mestres da espada? Poderiam fabricar as armas que os rebeldes precisam. Ainda mais aqui na montanha onde ninguém poderia atrapalhar é muito mais fácil para eles lidar com esta tarefa.

- Sim mas poderia levar semanas – disse Urius.

- Se todos se juntarem, podem ultrapassar seus próprios limites – disse a garota. – Que levem semanas!Bem ou mal não temos outra escolha, é muito pior ficarmos aqui parados não é?

- Sarah tem razão – concordou Maya. – O que me diz Urius?

- Bem – ele observou os olhares esperançosos que o fitavam. – Acho que meu pai fará o possível para ajudar. Trabalharemos dia e noite!

- Então está decidido! Os Curiors vão fabricar as armas para os Endirvis.

- Qual a situação do vilarejo? – indagou Sarah – Algum sobrevivente?

- Não consegui ver direito, já que sobrevoei rapidamente o local. Ar’mead estava infestado de guerreiros da guarda real, não podia descer lá para verificar sozinha – a animorfa se distanciou por um momento. – Preciso ir até lá o mais rápido possível, mas não posso ir sozi...

- Sarah não terminou seu treinamento ainda! – interrompeu Urius.

- Mas depois desta luta pensei...

- Você treinou com a espada de madeira e está indo muito bem, mas preciso ver como se sai com uma de verdade – interrompeu novamente.

- Quanto tempo acha que vai levar? – indagou a animorfa.

- Dois dias mais ou menos.

- Acho que posso agüentar – resmungou Maya. – Termine seu treinamento Sarah-rogesh – disse ela levantando-se e caminhando até a saída da tenda. –, depois partiremos.

- Nandige! – a animorfa voltou seus olhos para o Curior. – Não se preocupe, vai dar tudo certo, tenho certeza que meu pai não irá pensar duas vezes para ajudar vocês. Desde a fabricação de armas até uma luta se for preciso.

A mulher respirou fundo e disse:

- Eu sei que vai – ensaiou um sorriso.

- Vamos rogesh, acho melhor começarmos a lutar com a espada, ou você não estará preparada em dois dias.

Urius conduziu Sarah até uma tenda grande que ficava perto da barraca de duelos onde entraram. No centro da barraca havia um grande e grosso, pedaço de tronco de árvore e sobre ele uma enorme bigorna com pequeno martelo de ferro. Um homem no fundo do estabelecimento segurava uma grande quantidade de espadas enquanto procurava arrumá-las lado a lado sobre um suporte que estava no chão. Ao se virar, ele se espantou ao vê-los.

- Urius, tem algo em que eu possa ajudar? – indagou o homem.

- Precisamos de suas espadas Ergin, para treinarmos.

- Ora essa, e por que não pega uma de madeira?

- Essa foi a primeira parte do treinamento, a segunda é com uma espada.

- Como quiser – ele voltou sua atenção para Sarah. – E você quem é? – perguntou docemente.

- Esta é a nova Esbael – respondeu Urius.

Sarah inclinou a cabeça em cumprimento.

- Ora mas é uma honra! – ele fez uma reverência enquanto abria um largo sorriso. – Vou lhe dar uma especial que acabei de fazer.

Ergin caminhou para as espadas que havia acabado de guardar e pegou uma delas. O objeto era bonito e delicado, a lâmina devia ter em torno de uns setenta centímetros ou mais, o punho era azul marinho e o pomo cor de ouro assim como a guarda da espada que tinha três desenhos redondos de metal, um à esquerda, um no meio e um à direita. Definitivamente era linda, trabalho de um verdadeiro mestre. Antes de entregá-la para Sarah ele perguntou:

- Diga-me rogesh, como você é como pessoa?

- Bem, sou um pouco pessimista às vezes, mas determinada quando quero alguma coisa, penso sempre nos outros antes de mim e acho que nada é impossível, se você se esforça para conseguir. Bem, é tudo que posso dizer de mim mesma.

- És uma líder nata, mesmo que ainda não saiba disso – ele desviou seu olhar para Urius. – Pode pegar qualquer uma que quiser, e quanto a você rogesh, espere um instante.

Sarah notou um sorriso em Urius ao ver Ergin caminhar até o canto da tenda. O homem enfiou a mão por detrás de um tonel cheio de água e retirou um pequeno balde feito de madeira, depois de misturar várias coisas no recipiente, ele pegou uma folha enorme que guardava e enfiou lá dentro. A folha saiu completamente pintada de laranja. O Curior deslizou-a sobre a lâmina da espada em ambos os lados, mas não a pintou completamente. Levantou-se do chão e caminhou até Sarah:

- Ela é toda sua, não só para o treinamento como queriam, mas também para as batalhas que tenho certeza, estão por vir – e sorriu.

- Eu... Eu nem sei como agradecer – disse ela.

- Agradeça fazendo um bom uso dela. Espadas não são simples objetos, são uma parte de você.

- Muito obrigada – disse ela enquanto observava a lâmina alaranjada da espada. – Posso lhe fazer uma pergunta? – ele assentiu e entregou-lhe a bainha preta da arma. – Por que pintou a lâmina? – indagou ela embainhando-a.

- É a minha marca, é para que todos saibam que esta espada foi fabricada pelos Curiors. Dependendo de cada pessoa, escolhemos a cor. A cor laranja lhe dará otimismo, generosidade, equilíbrio e segurança em cada uma de suas lutas.

- Novamente, eu agradeço a generosidade.

- Não há de que.

- Agora vamos, temos muito que treinar ainda – interrompeu Urius.

- Vamos – Sarah fez uma reverência e se retirou.

Urius virou-se para o homem e disse:

- Estamos enfrentando uma crise com relação ao vilarejo Ar’mead, procure Maya para que ela lhe explique melhor a situação, talvez precisemos de todos aqueles que puderem ajudar para fabricar armas para os rebeldes – e se retirou.

Voltando a tenda de duelos, Urius advertiu Sarah com relação a este treinamento. Disse que não seriam mais lutas bruscas como as que tiveram quando usaram espadas de madeira, teriam de tomar o maior cuidado possível para não acabassem matando um ao outro. Explicou também que à medida que ela fosse pegando a prática e se acostumando com o peso da espada, ela já teria a capacidade para pará-la próxima ao corpo do adversário e aí sim, poderiam aumentar a força e velocidade do treinamento.

Urius ficou a postos e Sarah se posicionou a sua frente. Os dois se encararam seriamente durante um tempo, até que o Curior deu o primeiro golpe, Sarah bloqueou mas como não tinha o costume de segurar uma espada de verdade, o peso a atrapalhou fazendo com que a arma caísse no chão. Urius recuou e deixou que ela apanhasse sua espada. Novamente ambos se prepararam. Desta vez Sarah segurou firme o punho da arma.

O Curior atacou e ela bloqueou, cruzando várias vezes suas espadas. Quando Urius golpeou o ombro da Esbael, ela inclinou o corpo para trás e a espada passou raspando em seu peito, com um movimento rápido Sarah o atacou com a ponta da espada, o rapaz saltou para o lado, desviando. Os dois estavam praticamente do mesmo nível e a garota estava começando a gostar do resultado de seu esforço. No final da tarde quando encerraram o treinamento, Sarah recolheu-se para sua tenda e guardou a espada embainhada ao lado das almofadas.

A garota mal conseguia sentir o braço direito, toda vez que o erguia ele abaixava sozinho por causa do peso que tinha segurado praticamente o dia inteiro. Sarah ficou de pé e dirigiu-se para a tenda de Maya que ficava bem ao seu lado, ao entrar, a jovem viu a animorfa retirando uma enorme folha que envolvia um de seus braços. A mulher a olhou.

- Este corte foi o que aqueles monstros fizeram em mim há onze dias atrás quando as ajudei na floresta – disse ela pegando um pano, molhando na água que estava em um balde e passando sobre a pasta verde que estava sobre o ferimento. – Agora que foi cicatrizar e olhe que não foi muito profundo. Os Muirakans têm medo de nós, animagos, mas ainda assim conseguiram me ferir deste jeito – ela pegou um pano enxuto e passou sobre o braço úmido para que secasse.

No braço de Maya uma cicatriz em alto relevo que ia do ombro até próximo ao cotovelo, havia se formado. Sarah se aproximou da animorfa e sentou-se ao seu lado.

- Se ele tivesse enfiado mais teria arrancado seu braço.

- Agradeço aos Deuses que isso não tenha acontecido, o que seria de mim sem um braço?Dói-me só de pensar, mas agora já está tudo bem – Maya olhou para o braço direito da Esbael que ela erguia perto da barriga. – O que houve com seu braço?

Sarah observou-o e riu.

- Ah!Isso?Eu não estava agüentando o peso da espada – a animorfa sorriu para ela.

- Logo, logo você vai se acostumar pode ter certeza. Só alguns dias praticando e sua espada ficará leve como uma pluma é só ter paciência.

- Ah, mas eu sei ser paciente, até demais – sorriu. – Tudo o que eu passava no meu mundo me forçava a ter paciência.

- Então, o que faz aqui afinal rogesh?

- Eu só vim visitá-la, senti sua falta enquanto esteve fora. Ficar sozinha numa cidade como esta é terrível.

Maya gargalhou.

- Teralar é entediante se você não está fazendo algo de útil! E olhe que você fez muita coisa em seu treinamento, tenho certeza. Por eu criticar esta cidade quando sou obrigada a ficar aqui e por ficar no pé de alguns como o velho Rhotur, que a maioria deles não gosta de mim.

- Você chega a ser sarcástica na maioria das vezes.

- Já viu os caninos dele?!Alguém com um daqueles só pode ser um vampiro.

Ambas riram.

- Como se diz vampirinho da neve e Ídier?

- Dyrstigot ko dana – respondeu a animorfa.

- Driungot ko daná?– repetiu Sarah.

- Não. Dyrstigot ko dana – corrigiu.

- Dyrstigot ko dana – Maya assentiu. – Eu gosto desta língua, ela é diferente.

- Posso te ensinar as palavras básicas se você quiser, mas não posso ensinar tudo pois você tem coisas mais importantes para aprender no momento, sem mencionar que Ídier é uma língua muito grande e ninguém sabe ela por completo. Além disso, você aprenderá a grande maioria das palavras com os bruxos.

- Que palavras você pode me ensinar?

- Bem – disse Maya franzindo a testa, à procura de palavras fáceis. – Tenda é nagan em Ídier.

- E isso? – perguntou Sarah apontando para sua roupa.

- Roupa é kirshis – a animorfa virou-se para as almofadas e disse: - Aquilo é methur.

Maya passou grande parte da noite ensinando algumas palavras em Ídier a Sarah, como: espada que era aziris, bainha que era mandos, neve que era dana, Woriok que era daegil e muitas outras. Quando começou a ficar tarde a Esbael voltou para seus aposentos e adormeceu. Ela sentia falta de sua família, mas não adiantaria nada ficar se lamentando por ter encontrado o livro e por ter sido transportada para aquele mundo. No momento, Sarah queria se concentrar em seus aprendizados – que por sinal, ela estava adorando, apesar das dores corporais e hematomas.

Na manhã seguinte, já acostumada com o ambiente nebuloso da montanha, Sarah despertou, apanhou sua espada e se dirigiu para a barraca de duelos. Seu braço não doía mais como antes e ela estava bem disposta naquele dia. Como sempre, encontrou Urius na entrada e juntos caminharam para dentro da tenda. A primeira fase de seu treinamento a havia ajudado a aprender como se manejava uma espada e a luta de verdade do dia anterior aperfeiçoou suas habilidades e fez com que ela se acostumasse com o peso da arma.

Desta vez, Sarah já sabia lutar muito bem e a única coisa que ela precisava era melhorar o que já havia aprendido nos dias em que estava na montanha, pois em sua opinião, ainda era uma amadora. O prazo estipulado havia passado e logo, Maya e Sarah se aprontavam para partir rumo ao vilarejo Ar’mead. Os Curiors as presentearam com dois Worioks para facilitar a viajem. Mais uma vez a Esbael agradeceu a Ergin por sua espada, em seguida, ambas se despediram de todos os habitantes, montaram em seus “lobos voadores” e saíram voando das montanhas Leeuw Tand.

O vilarejo ficava a três dias de caminhada das montanhas, mas com a ajuda dos Worioks economizariam um dia de viajem. Ambas voaram até o anoitecer e acamparam nos arredores da floresta Flóriur. Sarah cuidou de fazer a fogueira e Maya caçou dois coelhos, como sempre a animorfa que arrancou a pele do animal e cortou a carne. Por estar naquele mundo há quase vinte dias e grande parte deste tempo havia passado nas montanhas e nas horas vagas ajudava os Curiors a caçar, Sarah já tinha se acostumado com aquele ato que antes julgava maldoso e repugnante.

Elas liberaram suas montarias para que fossem em busca de seu próprio alimento, depois decidiram que Maya ficaria com o primeiro turno da vigília e Sarah com o segundo. Na manhã do segundo dia de viajem, ambas se levantaram e foram voando até o vilarejo, aonde chegaram ao período da tarde. Ao pousarem, ambas desmontaram dos Worioks e, segurando as rédeas, os conduziram para a entrada do vilarejo que estava completamente destruído. As vigas das casas estavam queimadas e estas não apresentavam mais telhado. Havia diversas pessoas mortas espalhadas por entre as construções carbonizadas e o ar que Sarah e Maya respiravam cheirava a decomposição.

Caminharam separadamente pelo vilarejo à procura de sobreviventes. Sarah alisou o dorso de Nostyec e largou suas rédeas, para andar com mais liberdade por Ar’mead. Ao observar o solo seco e um tanto arenoso ela notou gotas de sangue que se espalhavam por grande parte do vilarejo. Mais adiante, a Esbael notou pegadas que marcavam o chão, ficou na dúvida se seriam de alguém enviado pelo rei ou de algum possível sobrevivente. Franziu a testa enquanto pensava na questão, até que decidiu segui-las.

Como Urius havia lhe ensinado, ela caminhava com a mão repousada sobre o punho da espada, a espreita de qualquer sinal de perigo. Estava perto agora, ela podia ouvir soluços vindos de uma das casas queimadas, mas esta se encontrava em uma situação melhor do que as demais.

Apertou tensamente o punho da espada de modo que as pontas de seus dedos ficaram brancas, seu coração palpitava como nunca, o medo e a ansiedade tomavam conta de seu corpo – se fosse algum enviado do rei seria sua primeira batalha pra valer e isso a assustava um pouco. Respirou profunda e longamente, retirou um pouco da lâmina da espada de sua bainha, bem devagar e empurrou a porta com toda sua força – como a construção estava frágil, a porta caiu. Sarah viu se relance uma sombra esconder-se atrás de barris que estavam um pouco destruídos. A Esbael desembainhou sua espada e berrou:

- Saia! Quem quer que seja!

Sarah caminhou lentamente até o esconderijo do ser misterioso, ergueu sua espada e saltou procurando pegá-lo de surpresa até que viu... Uma criança encolhida de medo. Com um olhar de doçura, a jovem embainhou sua espada e acocorou-se, estendendo a mão.

- Não tenha medo – a criança retirou as mãos do rosto coberto de fuligem. – Eu não vou te machucar – a garota hesitou, depois pôs os cabelos mal cuidados, mas lisos, para trás das orelhas, colocando a mão pequena sobre a de Sarah. – Tudo bem, venha comigo.

A Esbael conduziu a menina até Maya, que ainda explorava Ar’mead em busca de sobreviventes. A animorfa segurava uma folha um tanto envelhecida que mais lembrava papiro, ela se virou e disse:

- Veja o que está dizendo aqui:

“Este vilarejo foi condenado por bruxaria e traição e portanto, será queimado e encontrará seu destino em uma terra sombria e ardente. Que isto sirva de exemplo, qualquer um que se envolver com Bruxos ou Rebeldes terá o mesmo destino.”

- O que isso quer dizer? Oberon é um bruxo também!

- Você quer mesmo comparar a nós, meros súditos, ao rei? – indagou Maya lançado a folha para longe.

- Infelizmente não pudemos fazer nada, mas veja o que achei – disse Sarah enquanto a garota se escondia atrás de suas pernas. – Uma sobrevivente.

- Olá, como é seu nome pequenina? – perguntou a animorfa abaixando-se com as mãos apoiadas nos joelhos.

- Pode nos dizer – disse a Esbael afastando-se de modo que a menina ficasse visível. – Só queremos ajudar.

A garotinha apertou suas pequenas mãos, uma na outra, engoliu seco e disse:

- Tirvanna.

- E quantos anos a Tirvanna tem? – perguntou Maya.

A menina expôs os cinco dedos da mão. A animorfa levantou-se e fez um sinal com o olhar para Sarah que disse:

- Você gostaria de ver uma coisa muito legal? – a garotinha assentiu com a cabeça. – Nostyec! – berrou a Esbael.

O Woriok apareceu correndo e parou a uma distância razoável delas, nem muito longe nem muito perto. A menina aproximou-se cautelosamente do animal e Sarah a ajudou a entender que ele não iria machucá-la, Tirvanna tocou na cabeça de Nostyec, acariciando-o.

- Você pode cuidar bem dele até que eu termine tudo por aqui?

- Sim senhorita! – disse a menina sorrindo.

Sarah pegou-a no colo e fez com que montasse no Woriok.

- Leve-a para dar uma volta, mas sem voar! – o animal bufou e se retirou.

A jovem caminhou até Maya com um olhar exausto estampado em seu rosto.

- Encontrou mais alguém? – Sarah balançou negativamente a cabeça.

- Mais ninguém.

- Nem eu – fez uma pausa. –, aqueles miseráveis!Como puderam fazer isso com mulheres e crianças?Graças aos Deuses esta menina se salvou ilesa.

- Eu não quero nem pensar o que poderia ter acontecido a ela aqui sozinha durante dois dias, ainda mais se os guerreiros ou os Muirakans aparecessem.

- Nem me fale! – disse a animorfa colocando a mão sobre o rosto. – Vamos, devemos enterrar estes corpos, não podemos deixá-los desse jeito.

- Os corpos! – berrou Sarah.

- O que têm eles?

- Eu deixei a menina passear por aí e o vilarejo está repleto de corpos, como ela vai se sentir se por acaso encontrar um parente por aí?

- Vamos atrás dela!

Maya e Sarah pegaram a direção que a menina havia tomado com Nostyec e a encontraram debruçada sobre um cadáver, com o Woriok de pé ao seu lado. Mesmo de longe, ambas podiam ver que Tirvanna soluçava. A garotinha virou a cabeça em direção as duas, lágrimas escorriam por seu rostinho arredondado e a ponta do nariz estava vermelha. Tirvanna se levantou, correu para Sarah e a abraçou. A Esbael sentiu-se fragilizada como se soubesse exatamente como a menina se sentia.

- Vamos enterrá-los logo e sair daqui! – disse Maya.

- Vamos – concordou Sarah com os olhos cheios d’água. – Fique com Nostyec, ele vai cuidar de você – disse para a menina, que correu em direção ao animal.

Sarah olhou para todos aqueles corpos espalhados, pensativa. Atacar mulheres e crianças daquela forma era o ato de um covarde e desumano, e ela não podia suportar isso. Respirou fundo enquanto buscava coragem dentro de si para tocar em um daqueles corpos, Sarah nunca tinha visto um cadáver antes e enterrá-los seria muito difícil para ela, mas sabia que era o mínimo a ser feito.

A Esbael caminhou até Maya e juntas, cavaram covas para que pudessem colocar os cadáveres. Passaram longas horas ali, cavando e enterrando até que o último deles foi colocado, Tirvanna ajoelhou-se e fez uma prece aos Deuses para que cuidasse de seus pais que agora não estavam mais entre ela. Quando a tarde começou a chegar ao fim, as três adentraram a floresta de Flóriur e lá acamparam. Depois de uma boa refeição, Tirvanna adormeceu no colo de Sarah.

- O que faremos agora?

- Vamos ter que partir para Delaetar e informar aos bruxos de nossa condição, tenho certeza que vão contatar o maior número de aliados possível. Cada um deles saberá o que fazer.

- E quanto a ela?

- Nós vamos levá-la para Flóriur, onde poderão cuidar dela, não podemos trazê-la conosco é muito perigoso. Além disso, deve se concentrar em seu treinamento.

- Eu sei disso, vamos dormir, hoje foi um dia exaustivo.

Sarah retirou a menina de seu colo e acomodou-a em outro lugar enquanto sentava-se em um tronco. Maya dormiu e a Esbael ficou de vigília. Naquela noite, ela sentiu como se uma parte dela tivesse sido arrancada, sentia falta de sua família e o que viu no vilarejo só aumentara sua angústia. Não conseguia nem pensar no fato de que ficaria para sempre naquele mundo e que antes partir, não conseguiu despedir-se nem dizer a seus pais o quanto os amava.

Sentia-se amedrontada em um lugar perigoso e que ainda era estranho para ela. Temia perder as únicas pessoas que conhecia ali nas mãos do rei Oberon e que seu jeito simpático e bondoso fosse corrompido aos poucos por tais atos vis, tornando-se uma pessoa fria e robótica com apenas um objetivo: matar e destruir tudo relacionado ao rei. A jovem ouviu um balançar de galhos e algumas folhas caíram do alto das árvores. Os Worioks ficaram de pé e, mostrando todos os seus dentes, gruíam como cães ferozes. A Esbael arrastou-se calmamente até Maya e a despertou fazendo sinal para mostrar de onde vinham os barulhos. A animorfa ficou apoiada sobre um dos joelhos e Sarah apertou a alça de sua mochila enquanto se aproximava de Tirvanna, protejendo-as. Maya e Sarah estavam preparadas para a luta.

Nenhum comentário: