terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Capítulo 3 – Povo amaldiçoado


Capítulo 3 – Povo amaldiçoado

O homem a observava como se esperasse a primeira dúvida. Sarah franziu a testa e apertou os olhos, em busca da primeira pergunta que faria em meio a tantas que havia acumulado. Olhou no fundo dos olhos dele, suspirou e disse:

- Primeiro de tudo, quem são vocês?

- Somos Endirvis, povo da floresta para muitos e rebeldes para o rei de Koelsig, Oberon. Somos uma raça amaldiçoada pela ausência de nossa imortalidade.

- Vocês eram imortais?

- Contar-lhe-ei tudo o que estiver ao meu alcance desde o princípio – fez uma pausa – Há sete anos, um homem iniciou seu treinamento em Delaetar para tornar-se um bruxo, eu era jovem na época em que os bruxos e os Endirvis viviam lado a lado, mas me lembro como se fosse ontem. Ele era um aluno exemplar, um dos melhores, mas isto começou a consumi-lo e com o passar do tempo ele se tornou tão ambicioso que ansiava por mais poder. O homem lutou contra Pratórius líder dos bruxos na época, mas acabou derrotado e exilado de sua terra. Os bruxos fugiram logo depois que Oberon tomou o trono do rei de Koelsig e ficou ainda mais poderoso. Alguns dizem que ele amaldiçoou o rei, outros dizem que este foi assassinado pelo feiticeiro ambicioso. Ele deixou que seus guerreiros saqueassem vilarejos e matassem pessoas mais humildes para conquistar a obediência através do medo...

- Este homem era Oberon? – interrompeu.

- Sim – respondeu o rei – Oberon veio até nós em nossa antiga cidade e ameaçou matar as mulheres e crianças que lá viviam se não renunciássemos a nossa imortalidade e déssemos a ele. Concordamos, mas ele quebrou sua palavra e destruiu as construções e grande parte de nossos entes queridos, levando consigo a nossa imortalidade. Migramos para esta floresta e, usando nossas habilidades de manipular elementos da natureza, criamos Bórtis, o guardião de fogo da floresta, e estas casas na árvore também. Quando meu pai morreu, eu assumi a posição de rei dos Endirvis e desde então, tenho protegido meu povo. Se houver algum perigo, Bórtis nos avisará por telepatia e tomaremos as medidas necessárias.

- Entendi, Bórtis é aquela serpente gigante que encontrei na floresta?

- Sim.

- Por que ele não me atacou se ele é o guardião da floresta? – indagou Sarah curiosamente.

- Ele tem o poder de ler o pensamento das pessoas e sentir a bondade em seus corações. Se visse que você era uma ameaça a queimaria por combustão.

“Ah! Acho que foi por isso que naquela hora, na floresta, senti como se toda a minha infância estivesse exposta. Aquela criatura leu meus pensamentos.” – pensou Sarah.

- Tem mais alguma coisa que queira saber?

- Bem, o que é um Esbael?

- A palavra Esbael quer dizer guardiã, em uma língua muito antiga. Não posso lhe dizer muito sobre as Esbaels, só que elas são os seres mais poderosos deste mundo, pois retém os conhecimentos de várias raças como: elfos e bruxos.

- O que uma Esbael faz afinal?

- Ela protege o livro de pórion para que este não caia nas mãos erradas.

- Pode-me falar sobre os artefatos de pórion?

- Receio que eu não seja a pessoa mais adequada para esta questão, infelizmente isto que eu lhe falei é tudo o que sei, mas há alguém que pode responder a todas as suas perguntas.

- Quem?

- Kionnuhr, o guardião da profecia.

- Onde posso encontrá-lo?

- Ordenarei que alguns de meus homens a escoltem até a caverna Duisternes, lá você encontrará Kionnuhr e assim tirar suas dúvidas, mas por hora, deve descansar.

- Eu só quero voltar para casa, eu não pertenço a este lugar!

- Você não é de Amagar?

- Não! Eu sou do planeta terra!

- O que é um planeta?

Sarah colocou a mão sobre os olhos e deslizou-a até a boca.

- Deixe para lá, o senhor disse que Kionnuhr tem as respostas para minhas perguntas, certo? – ele balançou afirmativamente a cabeça – Então ele deve saber algum jeito de eu voltar para casa.

- Qual é o seu nome?

- Sarah.

- Seja paciente Sarah-rogesh, hoje você deve descansar. Ordenarei que lhe tragam roupas novas e que a levem para uma boa casa, amanhã alguns de meus homens a escoltarão até Duisternes e lá você acabará com essa aflição, mas lembre-se, proteja o livro de qualquer maneira – ele tocou em seu ombro e a conduziu de volta para a sala do trono – Você teve sorte de nós a encontrarmos antes do rei – disse ele enquanto sentava-se novamente sobre a cadeira no centro da sala principal – Arian! – berrou.

A mulher que a havia trazido até o rei apareceu e fez uma reverência. Aguardando por uma ordem.

- Ek rogesh – disse ele.

A mulher sorriu.

- Leve-a até uma casa para que possa dormir confortavelmente, dê-lhe roupas novas e seus pertences antigos que você e seus homens pegaram. Em seguida, reúna alguns deles para escoltarem esta moça até a caverna de Duisternes pela manhã, ela terá uma audiência com Kionnuhr.

- Como quiser meu senhor – fez uma reverência e se retirou.

Sarah fez uma reverência e seguiu a mulher. Novamente, ambas usaram a escada de corda e madeira, desta vez para descer da casa. Ao chegarem ao chão, Sarah e ela caminharam pela cidade até chegarem a uma das árvores cuja escada pendia. Arian subiu, seguida de Sarah.

- É aqui que você vai ficar, mas lembre-se de sempre puxar as escadas enquanto estiver aqui, assim não correrá riscos, você só pode abaixá-la se escutar batidas no tronco da árvore e ver que conhece essa pessoa – Arian observou Sarah com seus olhos vermelho-rubi e abriu um largo sorriso, mostrando seus dentes perfeitos e brancos – Rogesh! – e abraçou-a – Nunca pensei que viveria para conhecer uma!

- Meu nome não é rogesh, é Sarah! – disse ela enquanto afastava a mulher.

- Eu não disse que era. Rogesh quer dizer Esbael em Ídier e você é uma. Este é um cargo de grande responsabilidade!

- O que é Ídier?

- É uma língua antiga usada por nossos antepassados e por grande parte dos seres mágicos de Amagar.

- Amagar?

- É como é chamado tudo o quanto vemos. O conjunto de cidades, colinas, montanhas.

- Você quer dizer, um mundo?

- É – confirmou ela com um olhar distante, como se imaginasse o que seria um mundo.

- Agora eu entendi.

- Ali você pode tomar banho, é só puxar a corda e prendê-la que a água sai, nós enfeitiçamos a madeira para que pudéssemos tomar banho com mais facilidade, assim não precisaríamos correr para a cachoeira do riacho todas às vezes. Depois que você terminar, desamarre a corda para que a água pare de cair – encaminhou-se para a saída da casa – Espere por mim, vou buscar suas novas roupas.

- Não vou ter que usar essas coisas com a barriga de fora vou?

Arian riu e desceu as escadas.

Sarah caminhou pelo quarto. No cômodo em que ela estava havia uma mesa com duas cadeiras e uma porta que estava aberta, foi para lá que Arian apontou quando disse que ela poderia tomar banho. Sarah entrou no outro cômodo pela porta e viu uma cama de solteiro com um colchão e um travesseiro do lado direito, ela sentou na cama. Não era tão confortável quanto a sua, mas dava para o gasto.

Levantou-se e foi até a esquerda da cama, onde um pequeno cano feito de madeira um pouco mais alto do que ela, estava embutido na parede e preso a ele estava uma cordinha, Sarah deduziu que seria onde ela poderia tomar banho. Puxou a cordinha e a amarrou em uma estaca de madeira que ficava no chão. A água saiu em forma de bica através do redondo buraco do cano. De certa forma lembrava-lhe um chuveiro. Ela sorriu, desamarrou a cordinha e dirigiu-se para a cadeira do outro cômodo onde esperou por Arian.

Algum tempo depois a mulher apareceu trazendo algumas roupas apoiadas entre o queixo e o busto. Arian caminhou até Sarah e disse:

- Vista isto Sarah-rogesh! – e atirou as roupas sobre a mesa.

- Depois, encontre-me lá em baixo. Tem algumas coisas que quero lhe mostrar em nossa cidade, além de lhe devolver sua “guarda coisas” estranha – Arian sorriu e se retirou.

Sarah pegou as roupas sobre a mesa e analisou-as, desejando que não fossem pequenas como as de Arian. Entrou em seu quarto e se vestiu. Como ela temia, o shorte era curto o suficiente para mostrar suas coxas grossas e a blusa pequena demais, deixando sua barriga à mostra. Sentia-se mal, exposta, mesmo que não fosse gorda. Sentou-se na cama e retirou suas sandálias, calçando as botas que lhe haviam sido dadas.

Quando terminou, Sarah desceu as escadas e viu que Arian a aguardava. A mulher sorriu e entregou-lhe a mochila. Sarah abriu-a verificando se o livro estava lá dentro, em seguida, fechou e a colocou nas costas.

- Importa-se se eu ficar com esta coisa? – indagou Arian mostrando a barrinha de chocolate.

- Você sabe o que é isso? – perguntou Sarah para Arian que balançou a cabeça em sinal negativo – É chocolate – a mulher lançou-lhe um olhar de dúvida – É comida – explicou.

A mulher sorriu e mordeu a embalagem, fazendo uma careta.

- É ruim!

- Não é assim que se faz! Dê-me aqui.

Sarah pegou a barra de chocolate e rasgou a embalagem, entregando para Arian, a mulher lançou um olhar de dúvida, temendo que o conteúdo fosse tão ruim como o que o guardava. Olhou para o chocolate, fechou os olhos e deu uma mordida. Mastigando de forma rápida, engoliu e mordeu de novo.

- Hum – disse Arian enquanto revirava os olhos ao saboreá-lo – Isto é muito bom!Tem mais destes?

- Tinha na minha mochila, mas sumiram. Acho que seus companheiros pegaram tudo.

- Não tem problema, pelo menos pude provar. Agora, venha comigo – disse ela mordendo o chocolate outra vez.

As duas foram caminhando por entre as árvores e chegaram ao riacho onde haviam se encontrado, atravessaram-no e entraram no outro lado da floresta. Arian explicou que neste lado havia diversos tipos seres mágicos, cada um com seus costumes e todos a receberiam com muito carinho se dissesse que era a Esbael.

Quando Arian terminou de comer seu chocolate, as duas foram até uma montanha de pedras que tiveram que escalar. Ao chegarem ao topo, viram da cachoeira do riacho, a enorme extensão da floresta em que estavam e mais ao longe um vale com vegetação rasteira, era uma visão magnífica e Sarah sentiu-se feliz ao conhecer um lugar mágico como aquele. Coisa que em seu mundo jamais poderia ter visto. A jovem abaixou a cabeça com um olhar de tristeza.

Arian esperou um tempo pra que as duas pudessem descer novamente. Alguns minutos depois, quando as duas já estavam lá embaixo, Arian levou Sarah para ver os unicórnios que habitavam a floresta. Explicou para ela a pureza do sangue do animal, e que ao bebê-lo sua vida é prolongada, mas que são seres muito magníficos para que sejam assassinados apenas para satisfazer os caprichos de alguém.

Em seguida, conduziu-a para um canto da floresta onde ficaram sentadas durante uns trinta minutos, esperando por algo que Sarah não fazia idéia do que era. Quando uma brisa forte beijou seu rosto trazendo consigo um cansaço imensurável que tomou conta da jovem, ela ouviu um ronronar alto demais para ser de um simples gato doméstico. Quando um tigre enorme saltou da árvore de onde ela estava encostada. O animal se aproximou calmamente, deixando a mostra seus dentes, grandes e afiados enquanto sua cauda listrada ricocheteava.

Sarah procurou se acalmar e puxou discretamente o braço de Arian, para que as duas pudessem recuar. O animal se aproximava cada vez mais, mas a mulher parecia calma. Arian sorriu e pôs-se de pé, caminhando até o quadrúpede. Sarah estava com medo, mas se sua guia caminhava até o bicho era porque sabia o que estava fazendo. Arian acariciou a enorme cabeça do tigre que ronronou satisfeito.

- Tudo bem Maya, ela é uma amiga – disse Arian para o animal.

O tigre fugiu dos carinhos da mulher e caminhou até Sarah cheirando seu rosto. Ela não se conseguiria se mover, nem se quisesse. O tigre recuou e como se estivesse sorrindo e começou a mudar de forma. Aos poucos ele foi se transformando em uma bela mulher de cabelos ruivos, lindos olhos azuis celeste, pele branca como a neve e vestindo roupas pequenas como as de Arian, mas um detalhe a destacava, ela usava uma pele de tigre nas costas como se fosse uma capa. A mulher parecia ter a mesma idade de Arian e não muito mais velha do que Sarah.

- Então, como você está? – perguntou Maya a Arian.

- Estou bem, pensei que você não iria passar por aqui hoje.

- Eu acabei de chegar do vilarejo Andalaar, as coisas não estão boas – fez uma pausa – Acabei de saber que Elenwë foi assassinada...

- A Esbael? – interrompeu Arian.

Sarah arregalou os olhos, se a Esbael de quem elas estavam falando era uma mulher e esta tinha morrido, significava que a pessoa de quem falavam era aquela de seu sonho, aquela que protegia o livro. Se a mulher, Elenwë, realmente existia isso significava que aquelas criaturas horrendas também? Um calafrio percorreu sua espinha, agora Sarah sabia no que estava se metendo.

- Sim – respondeu Maya – Alguns homens disseram que a loucura cega o rei Oberon, eles querem combatê-lo, mas o medo toma conta de seus corações depois de tudo o que o rei já fez. Eles temem o destino que suas famílias terão se por acaso se opuserem a ele.

Sarah respirou fundo, ela mal podia esperar pelo dia seguinte pra que pudesse falar com Kionnuhr, e arrumasse um jeito de voltar para casa. Não sabia que futuro teria se continuasse naquele mundo e sendo a nova guardiã do livro. Procurou esquecer tais pensamentos e se concentrar no presente. Coisa que seus pais haviam lhe ensinado: “O mais belo momento da vida, o mais rico e o mais carregado de futuro, é o minuto presente.” – era o que costumavam dizer. Ah, seus pais, sentia tanto a falta deles, agora mais do que nunca.

- Você está bem? – perguntou Arian a Sarah.

- T-tudo bem – gaguejou Sarah.

- O que é isso nas suas costas? – indagou Maya curiosamente, enquanto se aproximava da mochila de Sarah.

- É tipo uma bolsa, você sabe, pra guardar as coisas.

- Eu sei o que é uma bolsa, tenho uma bem aqui! – disse ela apontando para um pequeno saco de couro preso em um cinto.

- O que é você? – perguntou a garota.

- O que sou eu?! – espantou-se a mulher dando uma gargalhada – Eu minha cara, sou uma animorfa.

- Aniquê?

- Animorfa – repetiu asperamente –, eu posso me transformar em qualquer animal que eu queira, mas prefiro o tigre e a raposa – explicou – E você o que é?

Sarah não acreditava que diria aquilo, mas era a única coisa que fazia as pessoas daquele mundo a tratarem com mais respeito. E este era o jeito que ela gostava de ser tratada, com respeito. Coisa que os alunos de seu colégio não faziam, apenas Karina.

- Sou uma Esbael – respondeu seriamente.

A animorfa parecia estar em choque, ela encarou Sarah por um bom tempo antes que pudesse dizer uma palavra novamente.

- E-Esbael? – gaguejou a mulher – Mas a Esbael era Elenwë e ela esta morta.

- Sou a mais nova Esbael – disse ela estendendo o pulso esquerdo.

- Entendo – fez uma pausa – Sinto-me honrada – disse inclinando levemente a cabeça e ensaiando um sorriso.

- Estamos indo para a caverna Duisternes amanhã para falarmos com Kionnuhr, gostaria de vir conosco? – indagou Arian.

- Mas é claro, quero ver no que isso vai dar! Podem partir sem mim, eu as encontrarei.

- Então até amanhã! – disse Sarah.

- Que as estrelas a iluminem esta noite – disse Maya fazendo uma leve reverência.

- Até logo, minha amiga – despediu-se Arian.

Maya recuou e transformou-se novamente em tigre, subindo rapidamente na árvore mais próxima com o auxilio de suas garras e desaparecendo de vista.

- O que ela quis dizer com isso?

- Ela a abençoou – respondeu Arian – Agora vamos voltar antes que anoiteça.

As duas viraram-se e seguiram para Flóriur, a cidade do povo Endirvis. Atravessaram o riacho e entraram na floresta. Arian conduziu Sarah até a casa onde a jovem estava hospedada, já que ela não conseguia se localizar em uma floresta como fazia na cidade.

- Descanse hoje, pois amanhã nossa jornada será longa e não sabemos que perigo nos aguarda – fez uma reverência – Durma bem ó rogesh – inclinou a cabeça e se retirou.

Sarah ainda não estava acostumada com tais formalidades e nem em ser tratada tão bem, as últimas vinte e quatro horas tinham sido exaustivas e ela ainda tinha esperanças de que na manhã seguinte, iria acordar e perceber que tudo não passara de um sonho. Afinal, era tecnicamente impossível alguém ser transportada para um mundo estranho como aquele por um simples objeto e uma mulher comum se transformar em um animal. Subiu as escadas de sua hospedaria, fechou a porta do quarto e deitou-se na cama.

No dia seguinte, Sarah acordou cedo devido ao costume que tinha de ir para a escola pela manhã. Levantou-se e calçou suas botas, dirigindo-se para a sala. Ao chegar lá, viu a mesa repleta de frutas de todos os tipos, inclusive alguns que ela nunca tinha visto, mais adiante, Arian debruçava-se pela janela do cômodo.

- Bom dia, Sarah-rogesh.

- Bom dia Arian – deu um sorriso – como conseguiu trazer tudo isso para cá?

- Venha ver!

Sarah aproximou-se da janela, onde Arian puxava uma corda e fazia uma pequena cesta subir. Quando terminou, amarrou-a em uma estaca que ficava presa à parede da sala próxima a janela, e debruçou-se sobre ela, retirando mais algumas frutas da cesta. Em seguida, Arian caminhou até a mesa e colocou a comida sobre ela.

- Acho que já é o suficiente para você não é?

- Está ótimo!Obrigada!

- Você não subiu a escada como eu lhe pedi, não foi? – indagou a mulher observando Sarah sentar-se a mesa.

- Eu esqueci – disse a garota com um sorriso descuidado.

- Não é brincadeira!Se alguém tivesse descoberto que você estava aqui na noite passada e decidisse lhe atacar e roubar o livro?

Sarah abaixou a cabeça pensando nas conseqüências que seu ato trariam para ela e para as pessoas da cidade.

- Sinto muito.

Arian sorriu.

- Deixe para lá, agora já passou. Só tome cuidado pra que não aconteça novamente, certo?

- Tudo bem.

- Agora coma, você deve estar faminta depois de um dia agitado como o de ontem, estarei esperando lá em baixo – disse ela enquanto se dirigia para as escadas.

Sarah olhou bem para a mesa cheia de frutas e pegou uma maçã, abocanhando-a rapidamente, em seguida pegou uma uva e a colocou na boca, ao engolir o pedaço da maçã. Quando terminou de tomar seu café da manhã, Sarah tomou banho no pequeno “chuveiro” feito de madeira, vestiu-se e colocando sua mochila nas costas, desceu as escadas da casa, onde encontrou Arian encostada no tronco da árvore.

- Tome! – disse a mulher atirando uma adaga guardada em uma bainha preta – Vai precisar disso para se defender caso o rei Oberon envie alguma surpresa para nós no caminho.

- M-mas eu nunca usei u-uma arma antes.

- Tenho certeza que quando chegar o momento certo, você saberá.

- Como o rei vai saber que estou com vocês ou para onde estou indo? – indagou Sarah com curiosidade enquanto começava a seguir Arian por entre as árvores.

- O rei tem muitos espiões por aí e se alguns deles o informaram de sua aparência física. Oberon consegue vê-la através de um feitiço em sua bola de cristal, a não ser que a pessoa observada esteja protegida por algo mais forte.

As duas pararam na beira do riacho onde cinco Endirvis as esperavam com duas canoas. Arian deu sinal para que carregassem as pequenas embarcações. Mais adiante, onde não havia mais pedras que pudessem atrapalhar o progresso das canoas dentro do rio, Arian e Sarah ajudaram os companheiros a colocá-las na água, depois entraram três em uma e quatro em outra.

Um dos Endirvis ensinou Sarah a remar, explicando-lhe que como ela estava na ponta da embarcação, deveria equilibrá-la remando duas vezes de um lado, depois duas vezes do outro. Sarah logo pegou o jeito e com a ajuda da correnteza do rio, eles se locomoveram rapidamente. Quando o sol começou a se pôr, atracaram as canoas na margem e lá acamparam.

Arian mandou um de seus companheiros arrumar comida e ele voltou com diversas frutas nos braços. Este ato começou a despertar certa curiosidade em Sarah, ela não os via comendo carne, apenas frutas o dia inteiro.

- Vocês não comem carne?

Arian e os companheiros riram com gosto.

- Por que comeríamos Sarah-rogesh, se somos os protetores da floresta? - fez uma pausa - Cada animal neste lugar, cada planta aqui presente tem vida e sentimento, seriamos incapazes de destruí-los para nos alimentarmos, por isso só comemos as frutas – explicou – Ainda assim com grande pesar, pois elas também estão vivas, mas não temos escolha, precisamos nos alimentar – acrescentou.

- Entendi – disse Sarah vendo certo sentido no que a mulher dizia, mas isso não a faria mudar de idéia em relação a comer carne. Afinal, era um alimento muito bom.

A noite caiu e diversas estrelas se espalharam pelo céu. Os Endirvis já haviam adormecido, mas Sarah permanecia acordada enquanto distraia-se em seus pensamentos. Ela estava deitada com as mãos sob a cabeça olhando as estrelas, perguntando-se como seus pais estariam preocupados com seu desaparecimento. Uma lágrima escorreu por seu rosto moreno e delicado.

Sentia-se deslocada em um mundo totalmente diferente do seu, com pessoas desconhecidas e costumes estranhos. Sentia falta de sua família, de sua amiga Karina e até dos cheeseburgers e batatas fritas. Iria enlouquecer se continuasse naquele lugar por mais alguns dias se alimentando apenas de frutas. Viajando em suas preocupações, Sarah adormeceu.

Despertou na manhã seguinte ao sentir os raios do sol envolvendo seu rosto. Esfregou os olhos e caminhou até a beira do rio, pegando uma porção de água e molhando o rosto para que pudesse sentir-se mais disposta. Acordou a todos que ainda dormiam e novamente colocaram as canoas na correnteza do rio, seguindo viajem. Ao entardecer, Arian ordenou que todos atracassem novamente na margem, para que pudessem acampar.

- Por que vamos parar agora? – indagou Sarah.

- Está vendo este chão que estamos pisando? – a garota assentiu – Olhe para ele mais adiante com relação ao rio, lá na frente este chão tornou-se um penhasco e as águas não tem mais margem. Conseqüentemente não teremos onde acampar se anoitecer – fez uma pausa – Mas se navegarmos bem cedo, chegaremos à caverna ao entardecer de amanhã.

- Ah, tá.

Ao cair da noite todos repetiram a refeição dos últimos dias e foram se deitar, mas desta vez, Arian ficou de vigília. Sarah não demorou muito para cair no sono e logo se viu mergulhada em um sonho muito parecido com o primeiro que teve quando ainda estava em seu mundo.

Desta vez, Elenwë, a mulher de cabelos longos e castanho-escuros, com seus olhos verdes e tristes, estava em uma cela escura e suja, onde Sarah pôde ver alguns ratos correndo enquanto a mulher chorava de dor com os pulsos amarrados em grilhões. Ela notou que ela não tinha uma tatuagem igual a sua em lugar algum. Elenwë abriu os olhos e ergueu a cabeça ao ouvir o rangido, emitido pela porta de sua cela, se abrindo. Tinha ferimentos superficiais em seu rosto. Sarah tentou ver o que era que estava acontecendo, mas a única coisa que viu foi o rosto de... Arian?

- Acorde rogesh! – sussurrou a mulher.

- O que foi? – indagou Sarah, atordoada.

- Ouvi barulhos vindos da floresta, temos que sair daqui!

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